quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Metade das mulheres brasileiras já foram assediadas em ruas, bares e transporte, diz estudo


47% delas foram constrangidas. Especialistas dizem que assédio demonstra a recorrência da "cultura de estupro"

NILÓPOLIS - Quem não conhece ao menos uma mulher que, em algum momento da vida, foi vítima de assédio? A maioria dos brasileiros teve contato com mulheres que se tornaram alvo de um toque físico indesejado, comentários maldosos, um olhar fixo que incomoda, entre tantas outras importunações desagradáveis. De acordo com pesquisa do Instituto Cidades Sustentáveis, divulgada na quarta-feira (10 de agosto), 47% das mulheres brasileiras, o que corresponde a um total de 42.467.472, já sofreram assédio em ruas, transportes públicos, bares, ambiente de trabalho e até na própria casa.

No caso da cozinheira Cássia Brito, de 42 anos, os comentários desagradáveis e a tentativa de toque veio por parte do ex-padrasto quando ela tinha 17 anos e ainda morava com a mãe, no bairro de Itaquera, na zona leste de São Paulo.

Cássia diz que o assédio começou com comentários sobre o seu corpo, normalmente quando a mãe estava distante ou fora de casa. "Teve um dia que ela foi para a casa de uma amiga e eu fiquei assistindo televisão. Meu padrasto chegou do trabalho, tomou banho e depois ficou sentado no sofá da frente só me olhando, até que eu me senti incomodada e perguntei: 'O que foi?'"

Em seguida, segundo a cozinheira, o ex-padrasto começou a elogiá-la e sentou ao lado dela. Nesse momento, ele passou a mão na perna de Cássia e tentou beijá-la. "Eu senti tanto nojo, me levantei e comecei a gritar com ele. Falei que contaria tudo para a minha mãe e ele disse que eu estragaria nossa família e os sete anos de casamento que tinha com ela", disse.

Cássia, inicialmente, não teve certeza se contaria para a mãe pelo medo de ela não acreditar em sua versão. Com isso, ela decidiu, então, morar por um tempo com os avós, até que o ex-padrasto saísse de casa. "Depois de três anos e muitas brigas entre os dois, minha mãe viu quem realmente ele era e teve coragem para colocá-lo para fora", afirma.

A historiadora e especialista em diversidade de raça e gênero Giselle dos Anjos Santos explica que o assédio mostra a recorrência da "cultura de estupro". "É uma percepção presente no imaginário social de que os corpos das mulheres estão disponíveis, independente de consentimento ou não. E alguns corpos são vistos dessa forma com ainda mais ênfase, como é o caso das mulheres negras", disse.

Ela diz, ainda, que toda situação de assédio é negativa, independentemente de onde aconteça, mas o fato de que mulheres e meninas não possam estar seguras nem mesmo no ambiente familiar "demonstra quanto a violência de gênero está imbricada na sociedade e a urgência de transformar essa realidade".
''Eu senti tanto nojo, me levantei e comecei a gritar com ele. Falei que contaria tudo para a minha mãe e ele disse que eu estragaria nossa família e os sete anos de casamento que tinha com ela''
(CÁSSIA BRITO, COZINHEIRA)
O objetivo do estudo do Instituto Cidades Sustentáveis, realizado juntamente com o Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria), foi verificar a percepção da população brasileira sobre as desigualdades no país. Com entrevistas realizadas entre 1º e 5 de abril deste ano, os dados representam uma mostra de todo o Brasil, com uma margem de erro de dois pontos percentuais.

Importunação sexual

Uma fisioterapeuta de 24 anos relatou à reportagem o momento em que um homem se aproximou dela na estação em que estava, segurou-a pelo braço e a beijou no rosto. Depois disso, ele começou a aparecer sempre no mesmo lugar e horário e tentava puxar assunto com a mulher.

"Ele tentava falar comigo no metrô e eu respondia por medo, mas completamente seca. Teve um dia que ele até disse o número do ônibus que eu pegava, que era o que passava mais próximo da minha casa", relatou.
''É uma percepção presente no imaginário social de que os corpos das mulheres estão disponíveis, independente de consentimento ou não. E alguns corpos são vistos dessa forma com ainda mais ênfase, como é o caso das mulheres negras''
(GISELLE DOS ANJOS SANTOS, HISTORIADORA E ESPECIALISTA EM DIVERSIDADE DE RAÇA E GÊNERO)
A informação deu à fisioterapeuta a certeza de que o homem a estava seguindo. Então, durante a conversa, ela pediu ao homem que parasse de chamá-la. "Tinha dois homens na minha frente que ouviram e ficaram encarando ele, acho que ficou com medo e saiu."

A advogada especialista em questões de gênero Marina Ruzzi explicou que, na verdade, o assédio sofrido recebe o nome de importunação sexual, que é qualquer prática de cunho sexual realizada sem o consentimento da vítima. Ela diz ainda que "a mulher tem certo medo de chamar atenção, brigar com o homem ali na hora em que aquele crime acontece porque acredita que ele possa até estrupá-la".

Além disso, muitas mulheres optam por não denunciar às autoridades devido às críticas que recebem da sociedade. "Entendemos que a legislação nova de importunação sexual deixou um pouco vazia a questão do assédio de rua, que é o verbal. Exemplo disso é um cara que grita chamando a gente de gostosa e não podemos fazer nada", criticou.

Segundo a historiadora Giselle dos Anjos, um dos aspectos essenciais para o combate do assédio é o fim da impunidade. "Os assediadores precisam ser responsabilizados por seus atos de violência. Para tanto, nós, mulheres, precisamos denunciar situações de abuso e romper com o silêncio que protege os agressores. O assédio é crime e ponto final."

Via: R7

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