quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Morador de rua que pediu socorro em uma padaria no Rio, antes de morrer, foi enterrado em Nilópolis


'Desumano', diz mãe de morador de rua ignorado em padaria antes de morrer 

NILÓPOLIS - O morador de rua Carlos Eduardo Pires de Magalhães, 40, que morreu na última sexta-feira (27) em uma padaria de Ipanema, bairro da zona sul do Rio, após ser ignorado enquanto pedia socorro, teve os cabelos cortados e a barba feita para o próprio enterro. Foi um pedido da mãe dele, a dona de casa Marlene Alves Flauzino, que queria ver o rosto do filho pela última vez. 

O UOL acompanhou o sepultamento ontem à tarde no cemitério Olinda, em Nilópolis, na Baixada Fluminense. Para a família dele, a despedida também era um apelo por visibilidade e dignidade. O corpo de Carlos Eduardo foi coberto por um pedaço de plástico preto, enquanto a padaria funcionava normalmente. "O que fizeram com o meu filho foi desumano. Não entendo como as pessoas podem agir assim, com tanta falta de amor ao próximo", desabafou a mãe. 


Cerca de dez pessoas da família se reuniram em uma capela para o velório de Carlos Eduardo, que morreu em decorrência de uma tuberculose avançada. Marlene descobriu o rosto do filho, sob um véu branco, afastou a máscara de proteção até o queixo e deu um beijo de despedida em sua testa.

 "Eu também fui morador de rua. Isso poderia ter acontecido comigo. Mesmo sem endereço, a gente tem direito de ser respeitado", disse o ativista social Leo Motta, que participou de um protesto na padaria e colocou flores no local onde Carlos Eduardo costumava dormir sobre papelões, em frente a uma agência bancária em Ipanema. 


Marlene, que disse ter tido dez filhos, 38 netos e três bisnetos, volta no tempo e sorri ao relembrar das histórias de Carlos Eduardo. Ela conta que o então menino fugiu pela primeira vez de casa quando tinha apenas 7 anos. Na época, a família morava em um bairro pobre de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, a 25 km da capital.

"Eu rodava pelas ruas de madrugada só com uma foto dele. Levei sete meses para encontrar o meu filho", conta, ao lembrar do momento em que o achou em um grupo de meninos de rua em frente a uma fogueira na praia de Botafogo, zona sul carioca.

"Eu achava e trazia o meu filho de volta para casa. Mas ele acabava sempre voltando para a rua. Ele era como um passarinho."


'Ele tinha família' 

Marlene disse ter tido contato pessoalmente com o filho pela última vez há mais de um ano, quando ele decidiu ficar uns dias na sua casa. "Ele ficava com a cabeça deitada no meu colo, era muito carinhoso. Gostava de comer galinha com quiabo", conta.

De lá para cá, diz ter mantido contato com Carlos Eduardo pelo telefone todos os meses. 
As pessoas precisam saber que ele tinha família e que foi muito amado. Mas ele escolheu essa vida [morar na rua] por causa dessa maldita droga.
Marlene Alves Flauzino, mãe de Carlos Eduardo


Durante o velório, houve uma pequena discussão entre os irmãos sobre a presença da imprensa. Prevaleceu a vontade da mãe, que queria que a história de Carlos Eduardo fosse registrada.

"Pode deixar gravar, pra mostrar que ele tem família. Tem que mostrar o que aconteceu pro mundo. Nós somos pobres, mas vivemos de cabeça erguida", concordou o autônomo Diego Alves Sampaio, 32, irmão de Carlos Eduardo. 

"Pelo menos, ele vai ser enterrado com dignidade", completou uma irmã, antes de ajudar a conduzir o caixão da capela 1 até o cemitério onde foi enterrado. 

Via: Uol Notícias

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